AULA 03/2014
Tema:
Entrada e receita. Receitas públicas (classificações). Receitas
originárias e derivadas.
1.
Síntese dos problemas relevantes: A
aula anterior expôs entre outros, dois temas de grande relevância:
a)
a complexidade da tarefa de se concretizar todos os direitos
fundamentais de modo universal e em níveis que sejam suficientes ao
desenvolvimento digno da vida, em uma realidade de escassez de
recursos financeiros;
b)
a necessidade de se reconhecer as limitações que a natureza dos
direitos relacionados ao bem-estar e à dignidade de vida impõem à
satisfação universal e instantânea das prestações e dos
benefícios existenciais que sejam essenciais ao desenvolvimento da
vida.
Diante
desses problemas, cumpre avançarmos um pouco mais na compreensão
sobre as dificuldades relacionadas à garantia (pelo Estado) das
condições essenciais ao desenvolvimento digno da vida.
O
objetivo é, primeiro, reforçar a distinção entre as necessidades
públicas (que derivam de tarefas de proteção) e as prioridades
públicas. Em segundo lugar, enfatizar que a definição da
intensidade com que as necessidades serão protegidas envolve um
juízo sobre a disponibilidade de recursos e sobre um determinado
contexto social, econômico e cultural.
Tomemos
o seguinte exemplo: Mesmo se for considerado o contexto europeu, o
desafio do aperfeiçoamento das redes de proteção social não é
menor ou menos complexo do que aquele experimentado na realidade
brasileira. Se nesta realidade os níveis essenciais de prestações
existenciais ainda precisam ser atingidos, naquela o desafio de se
assegurar o nível que naquele contexto o Estado tenha se
comprometido com a comunidade e com a ordem social requer a
convergência e o êxito de diversas variáveis. Note-se, v.g, em
primeiro lugar, que a proteção social envolve elevados custos por
iniciativa do Estado no plano da saúde, economia, cultura, meio
ambiente, educação, trabalho, entre outros. O êxito da tarefa de
se proporcionar os níveis suficientes nesse plano, e para todos,
envolve um juízo sobre as taxas de natalidade, um contexto econômico
favorável ao desenvolvimento e à geração de recursos econômicos
em benefício do Estado, e a existência de condições favoráveis à
inserção da população economicamente ativa no mercado de
trabalho. A falha na garantia de condições favoráveis sobre
qualquer uma dessas realidades compromete a possibilidade de se
proporcionar a tarefa universal de proteção a todos os direitos
fundamentais, porque, assim como na realidade nacional, ter-se-á o
mesmo desafio: como assegurar proteção coletiva em um contexto em
que os recursos são escassos?
Esse
desafio coloca um problema de maior gravidade para as prestações no
domínio de um direito fundamental à saúde, porque, se por um lado
realizar todos os direitos fundamentais somente seria razoavelmente
possível e exigível sob uma noção de nível mínimo de
prestações, de um mínimo existencial e de uma cláusula de
progresso (a cláusula de progressividade na proteção dos direitos
sociais, econômicos e culturais), a falha na correta destinação
dos recursos é mais nociva ao interesse público em razão de
comprometer o próprio direito à vida de uma universalidade. Se é
possível que a comunidade possa aguardar o aperfeiçoamento dos
níveis de proteção no plano da cultura, talvez no plano da
educação (sua ausência nos níveis essenciais pode ser nociva para
o desenvolvimento de uma nação e das instituições democráticas,
favorecendo a formação de um ambiente que estimule a corrupção
pública e política), da ciência e da tecnologia, da economia, não
o seria no plano da saúde. Aguardar-se o aperfeiçoamento das
prestações de saúde pode resultar na permanência e no aumento dos
estados de risco coletivo à vida humana.
Nesta
realidade, é possível visualizar um difícil paradoxo: se nem todos
os direitos fundamentais podem ser concretizados com a mesma
intensidade e de forma instantânea (somente sendo possível sua
proteção progressiva, que favoreça a melhoria permanente), admitir
uma cláusula de progresso no plano de um direito à saúde poderia
conduzir a um resultado negativo e indesejável, porque, neste caso,
a demora na concretização pode não apenas degradar a existência
humana, senão eliminá-la, não sendo esta, naturalmente, uma ação
compatível com os objetivos de um Estado socioambiental.
Assim
analisado o problema, podemos reforçar o que foi desenvolvido na
aula anterior e, assim, prosseguirmos com o tema desta aula: se os
direitos fundamentais somente podem ser protegidos sob uma abordagem
de progressividade, seu desenvolvimento requer a definição de um
nível mínimo de proteção que nunca poderá ser mitigado,
eliminado, ou ignorado pela ação estatal.
Portanto,
quando tratamos de uma noção de mínimo existencial, ou de nível
essencial de prestações, não se supõe que não está atribuído
ao Estado um dever de aperfeiçoamento dessa proteção. Somente por
meio dessa melhoria permanente, será possível permitir que as
prestações alcancem toda a universalidade, que se encontra em
permanente incremento numérico. Por outro lado, a admissão de uma
cláusula de progressividade não pode ser compreendida
independentemente de uma noção de mínimo existencial ou de nível
mínimo de prestações. Somente se concebe progressividade a partir
de proteção de níveis essenciais à existência, e a proteção de
níveis essencias de existência requer permanente melhoria
(progressividade). São definições interdependentes e indivisíveis,
que precisam estabelecer interação, sob pena de se obter proteção
deficiente dos diversos direitos fundamentais e sob pena de se
inviabilizar a tarefa estatal de proteção da vida digna (projetos
de).
A
partir desse contexto podemos recuperar alguns conceitos de nossas
primeiras aulas.
Partimos
de uma relação que representa a atividade financeira do Estado, ou
melhor, as relações vinculadas a essa atividade financeira:
receita, despesa, e necessidades públicas, de forma planejada,
através de um instrumento denominado orçamento, e segundo regras e
princípios que orientam como necessidades públicas que devem ser
asseguradas por iniciativa do Estado.
Todos
os entes da federação desenvolvem atividade financeria, todos os
entes devem assegurar prestações materiais de acordo com o que
propõe a Constituição nos artigos 20, 25 e 30, mas nem todos
desenvolvem atividade legislativa referente à organização da
atividade financeira.
O
município regula os seus próprios serviços, define as prioridades
concretas e como e em que medida seus recursos serão empregados para
atendê-las. Entretanto, normas gerais e normas de detalhamento sobre
o exercício da atividade financeira estão reservadas à União,
Estados-membros e Distrito Federal. Só estes entes estão arrolados
no conjunto de competências ditas concorrentes.
Entretanto,
é conveniente salientar que a Constituição também propõe em seu
artigo 30, inciso II, a capacidade de suplementação legislativa,
atribuída aos municípios, sobre a legislação federal e estadual,
razão pela qual a doutrina também costuma reconhecer neste
dispositivo autorização para que os entes municipais também
legislem sobre matéria financeira.
Qual
é a diferença entre o regime de competência concorrente (que
também define competências supletivas) para a suplementação
autorizada pela Constituição para os municípios, por meio de seu
artigo 30, inciso II? Notem que o artigo 24 apenas especifica algumas
MATÉRIAS. Só tais MATÉRIAS podem ser objeto de atuação cooperada
entre ESSES entes. OUTRAS matérias (como aquelas que estão
reservadas aos Municípios) estão excluídas dessa possibilidade. Se
a suplementação existe, o fundamento é outro. Está em competência
própria do Município, decorrente de expressa atribuição
constitucional. Podem complementar, mas só podem fazê-lo em tudo o
que for de seu exclusivo interesse local e pressupondo, portanto,
pré-existência de regra da União, ou de regra dos Estados-membros
ou do Distrito Federal. Só se tem complementação de algo que já
existe. Suplementação remete à supletividade. E esta só está
autorizada no plano das competências concorrentes, excluindo,
portanto, os Municípios.
Feito
isto, passemos à análise do primeiro elemento da relação jurídica
que qualifica o exercício da atividade financeira do Estado: a
receita pública.
Vamos
analisar hoje o conceito de receita (receita pública), diferenciá-la
de outro conceito, o de entrada, e concluiremos com uma classificação
inicial, que distingue duas espécies de receita. As originárias e
derivadas.
Marcos
normativos: Lei n. 4.320/1964 e LC n.
101/2000;
A
norma geral de Direito financeiro:
artigo 1º, da Lei n. 4.320/1964:
“Art.
1º Esta lei estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, de acordo com o
disposto no art. 5º, inciso XV, letra b, da Constituição Federal.”
Conceito
de responsabilidade fiscal: equilíbrio
na gestão fiscal, gestão da atividade financeira do Estado;
Art.
1º Esta Lei Complementar
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do
Título VI da Constituição.
§1
A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de
afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de
metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração
de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas
consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por
antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em
Restos a Pagar.
Uma
digressão sobre a atividade de responsabilidade fiscal, apenas para
que situemos do que se trata:
Descrição
da relação jurídica que organiza a atividade financeira:
a)
Obtenção de recursos (fontes);
b)
Decisão/escolha sobre a destinação dos recursos, a qual envolve a
conversão das necessidades públicas em prioridades públicas. Estas
representam, em última análise, uma decisão sobre a proteção de
um conjunto de direitos fundamentais, atribuindo maior ou menor
proteção a determinados direitos, estipulando os graus e níveis de
proteção e os destinatários da proteção;
c)
Controle: atividade que deve ser situada sob uma referência de
eficiência nos gastos, além da adequação da própria decisão que
priorizou a despesa em detrimento de outras.
IMPORTANTE:
Não é suficiente obter dinheiro (receita) e aplicar o recurso
público (receita) em alguma atividade, mesmo que seja uma atividade
obrigatória sob a ótica da Constituição (despesa).
Cite-se
o exemplo da educação: 35% da receita pública de um determinado
município deve ser aplicado em despesas relacionadas à educação:
o que se faz então? Construção e ampliação de estrutura física
das escolas, aquisição de material, construção de laboratórios
de informática. Pergunta-se: o que interessa nesse processo? Que o
serviço público, a necessidade existencial “acesso à educação”
seja satisfeita; ou, em última palavra: que seja produzido ensino
básico de qualidade. Como isso é aferido? Em avaliações.
Então
o que interessa na prática? Aplicar o dinheiro de forma automática
ou garantir que exista efetivamente acesso à educação
de qualidade? O problema é que ainda não se tem um sistema de
controle baseado em metas sob o princípio constitucional da
eficiência.
Uma
decisão ou escolha sobre uma determinada diretriz de política
pública implica, necessariamente, a justificação de uma despesa
que será programada em um orçamento anual e resultará em uma ação
concreta, mediante a previsão das metas e diretrizes traçadas
anteriormente. É a decisão pública ou política que justificará a
alocação dos recursos e justificará uma despesa concreta que será
realizada. Exemplificando no plano da definição de uma determinada
política ou ação pública, relacionada aqui à educação
ambiental. Quando são analisadas ou expostas à consideração de
uma autoridade política, para o fim de determinar que prioridades,
metas ou diretrizes deverão ser atingidas, na condição de
prioridade, está se fixando que, através do uso de recursos
públicos, aquelas metas foram escolhidas como as melhores que
estavam disponíveis, para se atingir com objetivo, a formação de
uma consciencia ambiental, cultural e cidadã.
O
uso dos recursos públicos e a geração da despesa deve sempre ser
otimizado. Deve-se buscar atingir o melhor uso que seja possível e
permitido para aquele recurso público, para atingir as metas
traçadas.
Pergunta-se:
traçar como meta de educação ambiental educar as pessoas para que
joguem lixo em lugares adequados é suficiente para a formação de
pessoas ou cidadãos com consciência ambiental?
No
plano concreto, fixar como meta a elaboração de programas de
educação baseadas nessa orientação e instalação de cestas
coletoras de lixo ou seletivas, representa o melhor uso daquele
recurso público para atingir o objetivo, educação ambiental. Ou o
de educar pessoas para que, de forma consciente, possam se posicionar
perante os particulares e os poderes públicos, exigindo condições
de vida digna, que incluam a variável ambiental?
A
resposta pode surgir do seguinte exemplo: foram instaladas, com base
em um programa fictício dessa natureza, várias cestas coletoras de
lixo. As pessoas foram ensinadas a jogar lixo em tais cestas. O
município, entretanto, não contrata ou não estabelece em seu
edital de licitação, a exigência de que a licitante, para ser
vencedora, atenda exigências de coleta e transporte seletivo.
Resultado: o lixo é compactado e destinado a um aterro sanitário,
onde não poderá ser separado e reaproveitado.
Isso
representa um gasto eficiente?
Alternativa:
política pública deve procurar atribuir ao recurso público, meios
para que atendam da melhor forma possível a meta pública traçada
como prioridade. No caso em comento, ainda pode ser citada a
possibilidade de se utilizar a coleta e transporte seletivos,
integrados a projetos de seleção e reciclagem de resíduos, como
formas de economia de recursos públicos no tratamento de resíduos,
que diminuem, e de inclusão social, reduzindo gastos com programas
públicos de assistência social e com a necessidade de destinação
e tratamento daqueles resíduos, que deixam de ser despesas para
representar a possibilidade de investimento em outras prioridades
públicas.
Exemplos
que descrevem o cenário oposto:
a) Reparo
de cobertura asfáltica em períodos de chuva;
b) Aplicação
do percentual de 35% de recursos municipais em ações de ensino, da
qual resulta o aumento nas taxas de analfabetismo no município;
c)
Estados de calamidade pública decorrentes do aumento dos focos de
contaminação de dengue;
d) Estados
de calamidade pública decorrentes do aumento de chuvas nos grandes
centros urbanos;
e) A
proposição de alternativas viárias por tentativa e erro;
Recapitulando: De
que relação estamos falando? Primeiro de uma relação, aquela que
depende da iniciativa do Estado, através de União, Estados-membros,
Distrito Federal e dos Municípios, arrecadando para atender
prestações essenciais, básicas e indispensáveis para permitir que
possamos usufruir de realidades existenciais mínimas. O que é isso?
Mínimo existencial, ou como aponta o professor Ricardo Lobo Torres
(2002), mínimos existenciais, de diversas ordens e naturezas. Temos
também uma segunda relação, que é consequência ou efeito da
primeira, que supõe obrigações da coletividade perante cada um
daqueles entes, entregando dinheiro, que se converterá em recursos
públicos, que, por sua vez, serão empregados no atendimento de cada
uma daquelas tarefas que descrevemos a vocês na aula anterior. A
primeira relação é de Direito financeiro. A segunda relação
também interessa ao Direito financeiro, mas não é de Direito
financeiro. É de Direito tributário. Por que ela interessa à nossa
disciplina? O foco é apenas sobre o efeito daquela obrigação,
porque dela se obtém o que? Receita. Receita pública. E daí
teremos o início da relação que define a atividade financeira do
Estado. Receita, despesa e necessidades públicas.
Conforme
dissemos na primeira aula, quando tratamos das formas de Estado, não
podemos analisar qualquer um desses elementos da equação, sem antes
definir de que modelo de Estado estamos falando. Não é um Estado
liberal, nem um Estado social, mas um Estado social e democrático de
Direito, que tem como base, uma economia capitalista, donde o Estado
é a sua forma jurídica e que deve atender um extenso conjunto de
necessidades, na forma de prestações.
Como
elas são atendidas? Em geral, mediante a entrega de dinheiro ao
Estado, e, basicamente, através de IMPOSTOS, que conforme vamos
conferir na próxima aula, trata-se hoje de uma espécie de receita,
a tributária.
Esta
espécie de receita tem origem naquela segunda relação de que
tratamos.
O
Estado intervém diretamente sobre o patrimônio do particular (não
se trata aqui de intervenção no domínio econômico, que é outra
coisa. Intervenção no domínio econômico tem a ver com a entrada
do Estado, explorando diretamente atividade econômica, comportamento
que, preferencialmente, deve estar concentrado na iniciativa do
particular. É o particular quem explora, apropria-se e desenvolve
atividade econômica. É ele também quem toma decisões econômicas.
E o que seriam as decisões econômicas? Decisões sobre o que
explorar, sobre como explorar e de que forma explorar. Não há
planejamento neste sentido. Planejamento, como vimos, é atividade do
Estado para suas próprias atividades.
O
Estado, em uma economia capitalista, não pode vincular, obrigar,
dizer ao particular o que ele deve produzir, de que forma e em que
setor deve atuar. Isto está, conforme dissemos, nos artigos 170 e
174 de nossa Constituição.
No
Estado social, democrático (e ambiental) de direito, custear aquele
extenso conjunto de prestações depende de um conjunto muito maior
de fontes (vamos tratar deste modo, por enquanto). Apenas tributos
não atendem tais atividades. Por tal razão, quando investigamos as
fontes que permitem o custeio das necessidades públicas,.
Vamos
tratar agora do conceito de receita pública, que aponta antes para a
entrada (ingresso) de qualquer espécie de dinheiro, independente do
título e de sua causa, no patrimônio público.
2.
Entradas e receitas.
Temos
aqui um primeiro problema para o conceito: se receita é a entrada de
dinheiro no patrimônio público, o que é entrada?
Entrada
é o ingresso de qualquer espécie de dinheiro, independente do
título e de sua causa, no patrimônio público. Elas podem ser
provisórias ou definitivas. Nem toda entrada é receita pública.
Por
que isto? Pensemos em depósitos de garantias de contratos públicos
que devem ser devolvidos ao contratado após o término da
contratação, ou de empréstimos compulsórios (que vamos tratar
depois), no qual o Poder Público se vale de captação de dinheiro
do particular (que não pode se recusar a oferecê-lo, conforme
artigo 165, § 8º da CF/88) e deve devolvê-lo posteriormente.
Nas
duas situações há ingresso, mas não é permanente. O dinheiro
arrecadado não ingressa definitivamente, permanentemente, no
patrimônio público. Não pode dispor e contar com tais recursos
para atender as necessidades públicas. Isto é entrada. Ingresso
provisório de recursos no patrimônio público.
De
outro lado, temos as entradas que são definitivas. Estas sim,
integram permanentemente o patrimônio público. Estas resultam de um
ato de imposição do Estado perante o particular, relacionado ou não
a uma prestação perante aquele, podendo resultar de sanções ou de
execução de serviço público. Aqui estão os tributos, que são
impostos, taxas, contribuições de melhoria (artigo 3º, do CTN) e
multas.
Receitas
públicas são entradas, mas entradas definitivas, ou seja, somente
aquelas que pressupõem o ingresso de dinheiro, de forma permanente,
no patrimônio público.
3.
Classificação das receitas.
3.1
As receitas ordinárias e as extraordinárias.
Há
algumas classificações relevantes utilizadas pela doutrina.
Citemos, por exemplo, entre receitas ordinárias e
extraordinárias. As primeiras têm origem no desenvolvimento da
atividade ordinária de Estado, tendo como principais exemplos, a
receita obtida de multas, exploração direta de serviços públicos,
aluguéis de imóveis de sua propriedade e tributos.
As
extraordinárias são entradas definitivas, permanentes, mas estão
relacionadas a causas excepcionais, destinadas a fazer frente a
estados de anormalidade institucional. O principal exemplo está nos
impostos extraordinários, indicados no artigo 154, inciso II, da
CRFB. Notem que, neste caso, o ingresso é permanente, depende de uma
situação anormal para a sua EXISTÊNCIA, e deve ser suprimido
imediatamente após a cessação da causa que justificou a CRIAÇÃO
dessa modalidade de RECEITA.
3.2
Receitas originárias, derivadas e transferidas.
A
classificação de maior relevância, por ser esta a que se encontra
definida no artigo 9º, da Lei n. 4.320/1964, e que também foi
considerada pela LC n. 101/2000, é a que distingue as receitas
originárias, das receitas derivadas e transferidas.
Qual
é o fundamento dessa classificação? É a fonte, a origem da
obtenção do recurso.
As
receitas originárias têm causa na exploração de seu próprio
patrimônio, ou ainda, quaisquer receitas que não possam ser
situadas sob a condição de derivadas. O dinheiro sempre
advém da transferência de recursos que têm origem no patrimônio
de particular para o público. Mas não há aqui ação constritiva,
imposição, obrigação sobre a ação do particular. O dinheiro
resulta da exploração pelo próprio Poder Público, ou de
particulares, de seus bens e serviços. Temos aqui o caso dos
aluguéis de seus imóveis, aquelas resultantes da exploração do
monopólio, os serviços públicos exp lorados diretamente pelo
Estado, os recursos oriundos de contraprestação paga pelo
particular, para acesso a imóveis públicos (museus, exposições,
etc...).
Nas
receitas originárias, quando temos uma contraprestação do
particular perante uma prestação do Poder Público, em uma relação
negocial, o que se paga para o Estado é um preço, preço público.
Não é taxa porque não resulta de imposição estatal, e não é
tarifa porque não tem origem na exploração dos serviços do Estado
pelos particulares, nas atividades de concessão, permissão e
autorização.
3.3
Exemplos de receitas originárias:
a)
doações (bens ou valores que ingressam definitivamente no
patrimônio público): artigo 538 a 546, do CC/02;
b)
sucessão legítima: artigo 1844, CC/02;
c)
herança vacante: artigo 1820 a 1822, do CC/02.
No
segundo caso, das receitas derivadas, o que temos é: transferência
de patrimônio particular para o público de forma obrigatória,
impositiva. Trata-se do caso da atividade tributária: impostos,
taxas, contribuições de melhoria, e das multas.
Na
última espécie de classificação, temos as receitas transferidas,
nas quais a situação é a seguinte: continuamos a ter a
transferência de recursos do patrimônio particular para o público.
Esta transferência não é voluntária, é obrigatória. Mas quem
arrecada não utiliza ou tem acesso pleno ao conjunto da receita
arrecadada. Arrecada e transfere parcialmente o resultado desta
atividade, para outra pessoa jurídica pública. Estamos no âmbito
dos tributos e da repartição dos recursos entre vários entes da
federação, aspecto que se encontra vinculado ao tema da repartição
da receita tributária, exposto ao longo do artigo 157 a 162, da
CRFB.
3.4
Exemplos mais comuns:
a)
IR, instituído pela União, mas repartido entre Distrito federal e
Estados quando retido na fonte. Aos Municípios, o retido na fonte
sobre os rendimentos que ele paga;
b)
IPVA: instituído pelos Estados e repartido entre os Municípios;
c)
ITR: instituído pelos Estados e repartido com os Municípios;
d)
ICMS: instituído pelos Estados e repartido com os Municípios;
e)
Impostos do artigo 154, inciso I: 20% para os Estados e Distrito
federal;
Todas
essas receitas são receitas transferidas tributárias, uma outra
espécie de classificação, com a qual vamos trabalhar a partir da
próxima aula: tributárias e não tributárias.
OBSERVAÇÃO:
artigo 160, da CRFB de 1988: proibição de retenção ou restrição
de entradas e ao emprego dos recursos que são atribuídos aos
Estados, Distrito federal e municípios, salvo para pagar os créditos
da União e dos Estados perante o ente devedor, e o repasse de
recursos para as atividades de saúde;
O
que isso significa? Pode a União ou o Estado não repassar os
recursos? Pode reter? Resposta: Pode condicionar, e é isso que conta
do texto do Parágrafo Único do artigo 160, de modo que, pode
submeter o Estado ou o município à obrigação de alocar em sua
proposta orçamentária para que possa receber tais recursos, mas
nunca reter sem causa e justificação prévia.
Mas
as receitas transferidas não se resumem a receitas tributárias.
Podemos ter também, receitas não tributárias, como é o caso
daquelas que estão no artigo 20, § 1º da CFRB, relativas a
participação no resultado da exploração de petróleo, gás
natural ou de recursos hídricos para o fim de geração de energia
elétrica, ou de recursos minerais, e relativas à compensação
financeira por essa exploração.
O
que é a participação e a compensação de que tratam esse
dispositivo?Todos esses recursos são bens da União. Mas estão
distribuídos no território de Estados-membros e municípios. O
particular que explore os recursos ou a própria União, deverá
assegurar a destinação de parte de seus lucros a esses entes. E o
simples fato de explorar já dá causa à compensação financeira.
4.
Receita Pública e a LC n. 101/2000:
Arrecadar
dinheiro através da fixação de tributos é obrigação de cada
ente da federação, no âmbito de sua competência legislativa
(artigo 11, caput). Portanto a obrigação nessa
perspectiva é dupla. Se o particular tem a obrigação de entregar
dinheiro ao ente público, este não pode deixar de exigir essa
prestação do particular. DEVE arrecadar, deve exercer sua
competência tributária. Não exercê-la é crime do gestor público.
Do prefeito, do governador e do presidente da República;
Disso
também deriva outra consequência muito relevante. Lembremo-nos das
transferências voluntárias, que são aquelas relacionadas à ajuda
institucional de um ente para o outro. Não pode doar um veículo
para outro, ou instrumentos para execução de suas necessidades
públicas, se o ente não instituiu os impostos de sua competência.
Se o município de Cuiabá não instituiu, portanto, o IPTU
progressivo, não poderia receber da União ou do Estado dinheiro e
recursos para fazer frente ao combate aos efeitos das enchentes, por
exemplo.
Outra
situação distinta é o ente estadual renunciar a receita que lhe
caiba. Nesta, ele abdica de parte de sua arrecadação. Muito comum
em relação ao ICMS, para incentivar a instalação de complexos
industriais, e com o IPTU, no caso do município, para favorecer o
mesmo objetivo. Isso gera a chamada guerra fiscal. Vamos analisar ao
fim da disciplina no tópico específico para a Lei de
Responsabildiade Fiscal (LRF). Basta, por enquanto, sabermos que o
artigo 14,caput, da LRF autoriza, mas deve prever antes o
impacto que isto vai gerar em seu orçamento no exercício em que
terá vigência, além dos dois seguintes.
Em
síntese:
Atividade
financeira do Estado tem como objetivo a análise de como se
desenvolve a atividade pública prestacional destinada a assegurar a
manutenção e o desenvolvimento de mínimos existenciais, que se
refletem, em grande medida, em serviços públicos, mas não apenas e
não necessariamente em serviços públicos. Estruturas públicas,
prestações materiais, tudo isto depende do exercício da atividade
financeira do Estado. Atividade pública. Esta consiste em que,
especificamente? Como estas prestações são possíveis?
Destaca-se
aqui, o primeiro elemento da relação jurídica vinculada ao
exercício da atividade financeira do Estado: o estudo e a análise
da receita pública.
PORTANTO,
temos em síntese que: nem toda entrada é receita pública. Já
identificamos a possibilidade de ingresso por meio de tributos, ou
por outras formas voluntárias, mas há um conjunto extenso de outras
modalidades. Citemos apenas a das indenizações. Tudo o que tiver
origem em danos ao patrimônio público, ou de recuperação de
despesas que foram realizadas em caráter supletivo à ação do
particular, não constitui receita originária, nem derivada, nem
transferida. Também não é tarifa ou preço público (que vamos
analisar em comparação com as taxas e na aula destinada a receita
tributária). Nesse caso, o dinheiro que ingressa (e será também de
forma permanente), o faz como indenização.
O
que interessa desta argumentação? Temos aqui mais um item que
identifica o conceito de receita. Só é receita aquilo que
represente um incremento ou acréscimo patrimonial para o Estado
(variação positiva do patrimônio público). Quando ele recompõe
uma despesa que efetuou, ou quando exige perante um particular a
reparação pecuniária diante de um dano que este produziu perante
seu patrimônio, não há aumento de patrimônio, mas estabilização.
O
que temos aqui, portanto? Temos atividade financeira do Estado? Não.
Temos receita pública? Não. Temos o que se convencionou tratar por
movimento de caixa.
5.
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